Vida acadêmica: o início do doutorado

Era 15 de dezembro de 2017, uma sexta-feira, minha defesa de dissertação do mestrado no Rio de Janeiro. Na segunda-feira, dia 18 de dezembro de 2017, eu estava em São Paulo, fazendo minha matrícula no doutorado. Senti que a cidade me recebeu bem. Fui para o FIESP, na famosa Avenida Paulista, esperar o tempo passar, e lá começaram a tocar uma música clássica muito agradável. O tempo em São Paulo é ligeiramente mais frio que no Rio de Janeiro. Na verdade, muito mais frio. Nunca havia passado por 8°C! Sim, isso aconteceu no meu primeiro inverno de doutorado em São Paulo. Em janeiro, pegava minhas primeiras malinhas, com minhas roupas simples, meus sapatos nada preparados para o clima de “frio-calor-chuva" dentro de cada 24h dessa nova cidade, mas lá fui eu, literalmente uma suburbana (não sou da cidade do Rio de Janeiro) indo para a cidade grande, a maior do Brasil, para morar por, a princípio, alguns anos. Chegando lá, ficaria com uma amiga que ali já estava morando há alguns anos. Preciosa amiga, um anjo! Me abrigou por um mês com ela, até que encontrei uma república feminina na mesma rua de seu prédio. Logo, por ali mesmo fiquei. Não deveria ser muito difícil morar com muitas pessoas, não é mesmo? Mas deixemos as histórias insanas dessa república para outro momento. Apesar da insanidade, fiz grandes amizades, amizades para a vida toda, que nasceram ali.


As aulas iniciaram em fevereiro. No entanto, desde o final de dezembro eu já tinha artigos para estudar e preparar apresentações ao meu orientador. No final, preparei tudo e não apresentei. Até hoje, continuo sem entender. Mas “segue o baile”. Em dezembro, na matrícula, precisava me inscrever em todas as disciplinas que me passaram. Eram cerca de oito ou nove disciplinas. Achei muito, mas se eles recomendaram, pensava eu, deveria ser tranquilo, deveriam ser fáceis. “Doce ilusão”. No doutorado, você não pode reprovar duas disciplinas, pois duas reprovações implicam em expulsão imediata. Eu não podia perder minha chance única, então me esforcei como nunca havia esforçado em toda a minha vida. Se uma disciplina durava quatro horas, eu estudava pelo menos mais quatro a seis horas em casa ou na biblioteca para ela. Geralmente, eu ia cedo para a faculdade, e ficava na biblioteca até ela fechar, o que era por volta das onze da noite. Mas, como aos finais de semana eu precisava economizar passagem (apesar da passagem custar R$2,00 naquela época para estudante... mas no início eu não sabia), eu estudava de casa. Fazia exercícios, pesquisava termos que não conhecia, lia livros, lia artigos, preparava apresentações, pesquisava muita coisa na internet... Eu estudava muito, para muitas das vezes entender quase nada, ou apenas o essencial.

No início foi assim, mas depois foi melhorando. Por mais que eu soubesse inglês, eu não tinha o costume de ler tanto em inglês quanto o doutorado exigia, e isso foi um desafio. Nos primeiros dois meses, o meu máximo era ler até dois artigos por dia. Isso evoluiu exponencialmente no primeiro semestre. Finalizado o primeiro semestre com todas as disciplinas aprovadas: férias, tão sonhadas! Claro, tive febre por uma semana inteira. Era insana a rotina de estudos. Por sorte, ou por bênção, eu me alimentava muito bem, pois em São Paulo tem feira de rua todos os dias em algum lugar, e aprendi a economizar muito fazendo compras no final doa feira, na famosa “xepa” (não sei como se escreve, mas é esse o som que tem). Por mais que eu tivesse menos de R$200,00 para comprar alimento para o mês todo, naquela época, a comida era gostosa, dava e sobrava ainda para compartilhar com outras colegas da república. Claro que emagreci, mas caminhava bastante também, mesmo podendo usar ônibus para ir para a faculdade.


Me orgulho muito dessa trajetória de muitas lutas, muitas dificuldades. Deus nunca permitiu que nada me faltasse em momento algum. Meus tênis estavam destruídos? Sim. Meus óculos quebrados desde o primeiro dia? Sim. O xampu era o mais barato do mercado, custando $3,50? Sim. Mas sempre aprendi que toda vitória demandava muitas lutas até que chegasse. Não foi nada fácil. E ainda tentar ir visitar a família todo mês, pagar as dívidas da “mudança” para São Paulo também (levei o primeiro ano inteiro, recebendo bolsa, para quitar todas as dívidas, vivendo apenas com a bolsa de doutorado). Infelizmente, fazer um doutorado não é algo fácil para pessoas de baixa renda. Minha família vivia uma crise financeira bem pesada no momento em que fui aprovada para o doutorado (e nos primeiros três anos de doutorado também...). Como sempre tive uma saúde não muito forte, precisava pagar plano de saúde e, à época, o que era R$250,00 por mês foi aumentando ao ponto em que eu pagava quase R$500,00 por mês. Mas a bolsa de doutorado se mantinha em R$2.200,00 todos os meses, ao longo de muitos anos. Todos os custos aumentavam, até mesmo a passagem. Nem INSS temos garantido enquanto estudamos com bolsa do próprio governo. Isso é uma lástima. Não recebemos sequer isenção de passagem, o máximo a redução à metade. Mas a passagem também aumenta, e se você precisa usar mais do que as 38 cotas do mês, você paga integralmente.

Claro que eu aprendi a “viver barato”. Mas nunca me considerei uma pessoa cara. E nunca precisei de muitos luxos para viver. Mas é muito claro que pessoas sem suporte de uma família, ou que já residam na mesma cidade do doutorado/mestrado, ou que tenham alguém apoiando financeiramente, ou até mesmo alguém que cuide de tudo dentro de casa enquanto você cuida apenas de estudar, terão vantagens e mais vantagens à frente de pessoas que precisam sair de suas casas, morar em condições mais humildes, que precisem se preocupar com o dinheiro da passagem e da comida, gastar horas preparando alimentos para não gastar dinheiro na rua... Não é fácil. Valorizo muito outras pessoas que tiveram uma jornada semelhante. Logicamente, não menosprezo pessoas que não precisaram passar dificuldades, pois todas as pessoas passam dificuldades de algum tipo... ou não. Mas enfim, a jornada é difícil e, se fosse fácil, o número de doutores por doutorado no Brasil e no mundo seria muito maior. Relembrar de tantos detalhes do que passei me faz ganhar forças em mim mesma para prosseguir.

Depois de passar por tantas dificuldades, é muito difícil você aceitar desistir tão perto do final. Pensei em desistir? Mentiria se dissesse que não. Nos meus momentos mais baixos e obscuros, claro que pensei que não aguentaria mais. Mas segui em frente. Cabeça erguida? Não muito... Firme? Talvez cambaleando... E o mais interessante é que mesmo as pessoas que estavam perto de mim não sabiam de tudo que eu passava. Depois que o pior passou, e que eu comecei a ter condições de fazer “freelas” e conseguir extras, eu comecei a compartilhar mais sobre algumas dificuldades com meu recém-namorado na época (meu atual cônjuge).


Estudei muito. Trabalhei muito. Foi uma loucura. Mas cá estamos, a sete dias da tão sonhada defesa de tese de doutorado.


Até amanhã!


Karen.

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